terça-feira, novembro 21, 2006

Palavras cantadas
Eu não presto atenção nas letras das músicas. Muitas vezes vejo as pessoas cantando músicas decoradas, às vezes em outra língua, mas isso simplesmente não funciona comigo. Quando gosto muito de uma música, ouço várias vezes, presto atenção nos arranjos, mas não na letra. Com isso acho que tenho uma visão de mundo completamente diferente.

Um exemplo é Bob Marley. Ele é tido como um monstro sagrado do reggae no mundo todo, mas ainda tento entender por quê. Já escutei umas quinze ou vinte músicas dele, umas duas escutáveis, mas nada que me tenha despertado grande admiração. Um dia pensei: será que gostam das músicas dele por causa da letra? Faria sentido, pois nesse caso as pessoas vêem em suas músicas qualidades que eu jamais poderia ver, por minha falta de atenção. Daí me passou pela cabeça que muita gente no Brasil não deve entender o que as músicas falam, pois são em inglês, e então voltei ao ponto de partida.

E em geral, quando elogiam uma música, nunca sei se é pela letra ou pelo resto. É um universo paralelo que passa diante dos meus olhos. É uma pena. Sinto que, desta forma, vivo pela metade. Fico até triste quando constato que, numa playlist de 25 músicas boas, coloco 5 instrumentais facilmente.

Se me foram privadas as letras, me foi revelado um mundo harmonias, timbres e ritmos, e em menor escala de melodias. A mensagem do cantor não chega a mim, mas ouço com interesse as histórias contadas por cada instrumentista. Há sempre clichês -- que eu adoro -- e há também as variações que lembram que existem pessoas expressando suas idéias.

Essa não deixa de ser uma das maneiras mais anti-sociais de se ouvir música. Não posso chegar pra outra pessoa e dizer: achei genial aquele bumbo no contratempo, e você? Ou ainda cantarolar a harmonia do refrão. Meu consolo é que, nas músicas de Los Hermanos, é comum as pessoas cantarem os arranjos de metais, parte indissociável das músicas.

Isso é irônico. Acho tão interessantes as palavras, e tão fascinante a comunicação de um modo geral. É patético quando tento entender o que diz uma música estrangeira, e aí me dou conta que acabarei no máximo com uma seqüência de idéias desconexas, como aconteceria em português.

Mas minha cegueira não é total. Às vezes acho versos bonitos pelo seu som, e tenho mais facilidade pra ouvir e gostar de palavras simbólicas como céu e mar. A existência de antíteses e coloquialismos também chamam a minha atenção para a beleza da letra. De qualquer jeito, as palavras são meras coadjuvantes, com o papel de amplificar aquelas coisas que a música por si só quer dizer.

2 comentários:

Denise Vaz disse...

D++++++! Tá muito divertido e sagaz teu texto! Parabéns!!! Amei e consegui vivenciar trechos dele tb! hueuheuhe Mutcho bom! :D
Beijão!!

Bruno Coitinho disse...

Eu também não consigo prestar atenção na letra das músicas!

Mas a letra ainda é importante para mim, pois eu consigo sentir sua "emoção". Os instrumentos também passam emoções, por isso gosto deles também. A diferença dos instrumentos para a letra da música é que a letra pode ser interpretada para palavras, mas ambos podem ser interpretados para emoções.

Vc é muito bom escritor, me surpreendeu! Bye!


*Texto que não consegui inserir junto com o texto acima:*
Talvez diferentemente de você, não vejo tanta graça em "todo instrumento individual". Mas em alguns instrumentos individuais e principalmente nas combinações dos instrumentos, na passagem de um ritmo para outro, num toque inesperado em um silêncio temporário, etc.!